CARACTERIZAÇÃO DAS ÁGUAS RESIDUARIAS GERADAS PELA ARMAZENAGEM TEMPORÁRIA, SOB IMERSÃO, DOS FRUTOS DO CAFEEIRO Juarez de Sousa e SILVA¹, E-mail: juarez@ufv.br; Antonio T. MATTOS¹; Marise C. MACHADO¹; Sérgio M. L. DONZELES²; Consuelo D. ROBERTO¹ ¹Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG; ² EPAMIG – CTZM, Viçosa, MG Resumo: O armazenamento temporário do café cereja, por imersão em água limpa, implica na produção de águas resíduarias. A avaliação do potencial de uso da água, as alternativas para disposição do resíduo gerado e o estabelecimento de parâmetros técnicos para o tratamento, são importante para determinação da técnica que ofereça boas condições ambientais. Assim, o objetivo deste trabalho foi o de caracterizar e de estabelecer os parâmetros que permitem projetos e ou adaptação de sistemas de tratamento durante o armazenamento temporário do café cereja em água limpa. Pela falta de referências bibliográficas para caracterizar o processo, a água residuária foi analisada sob o ponto de vista dos resíduos gerados no processo de lavagem e despolpa do café para avaliar o uso potencial para irrigação ou forma de tratamento necessário. Como resultado, a água residuária do armazenamento temporário do café cereja apresentou alto nível de NPK e portanto, alto potencial para uso em irrigação; Palavras-chaves: Águas residuárias, armazenagem, café CARACTERIZATION OF WASTEWATER FROM TEMPORARY STORAGE, UNDER IMMERSION, OF COFFEE FRUITS Abstract: The temporary storage of the ripe coffee fruits, by immersion in clean water, implies in the production of residual or waste water. The evaluation of the water use potential, the alternative disposition of the generated residue and the establishment of technical parameters for the water treatment, are important to establish the best practice to maintain good environmental conditions. Thus, the objective of this work was the characterization and establishment of the parameters that allow designing and or adaptation of treatment systems during the temporary storage of ripe coffee fruits in clean water. Because bibliographical references to characterize the process are not available, the waste water were analyzed under the point of view of residue generated from the coffee pulping process to evaluate its potentialities for use in the irrigation or treatment need. As result, the waste water from the coffee fruits storage by immersion presented high level of NPK, therefore, high potential for use in irrigation Key words: Wastewater, coffee fruits, storage Introdução A modernização da cafeicultura, evidenciada pela adoção de tecnologias no processamento do café, promoveu um avanço qualitativo e econômico nas atividades de preparo do produto. A lavagem e despolpa dos frutos do cafeeiro são técnicas que possibilitam uma redução significativa no tempo requerido para secagem, bem como a redução do volume a ser processado e armazenado, o que leva a um menor custo de produção, além de melhores perspectivas de mercado para um produto de boa qualidade. Entretanto, o uso indiscriminado da técnica traz sérios problemas ambientais devido a geração de águas contaminadas que, segundo a legislação vigente, devem ser imediatamente submetidas a tratamentos para o seu retorno aos corpos d’água (SILVA, 2001; GONÇALVES et al., 2000). A armazenagem temporária do café cereja, por imersão em água limpa, (MACHADO, 2005) implica, também, na geração de águas residuárias. TEDJO et al. (2002), estudando a imersão de mangas em solução osmótica, chamam, também, atenção para a necessidade de disposição da água resídual gerada no processo. Apesar de grande parte do experimento realizado por MACHADO, 2005 ter sido baseado na desidratação osmótica, foi verificado que quando se usou a concentraçâo de acucar 0,0%, ou seja, quando o produto foi tratado apenas com água, os resultados de qualidade foram amplamente favorávis o que levou a repetir o experimento tratando os frutos com apenas água limpa. Diversos autores citados por PINTO et al. (2001), referem-se ao grande impacto que as águas residuárias da lavagem, descascamento e desmucilagem de frutos do cafeeiro (ARC) causam ao ambiente, não somente pela carga orgânica contaminante, mas também pelo grande volume de água demandado no processamento do fruto que, por sua vez, se não convenientemente tratada, pode retornar ao meio ambiente com alto potencial de poluição. O tratamento das águas residuárias pode ser dividido em três etapas: pré-tratamento, no qual ocorre a separação dos sólidos; tratamento primário, no qual ocrre a sedimentação ou filtração do material sólido em suspensão e tratamento secundário, no qual se objetiva a remoção de material orgânico ou, ainda, a disposição das águas no solo (MATOS et al. 2001b). A escolha da melhor forma de tratamento está vinculada às características físico-químicas do resíduo. Entre as alternativas de tratamento das águas provenientes do processamento do café cereja, algumas apresentam características desejáveis como boa eficiência, simplicidade e baixo custo, adequadas à realidade da pequena produção. No tratamento primário, caso a opção seja o aproveitamento para fertirrigação, MATOS et al. (2001c) recomendam a utilização de filtros. As alternativas para o tratamento secundário são lagoas facultativas ou disposição no solo, que compreende técnicas como infiltração/percolação, escoamento superficial, fertirrigação e áreas alagadas. Para PINTO et al. (2001), dentre as soluções propostas para tratamento de águas residuárias ricas em material orgânico, destaca-se a sua disposição direta sobre o solo. MATOS et al. (2001b) citam como vantagens desta técnica (disposição direta no solo) o benefício agrícola, o baixo investimento (o custo oscila entre 30 e 50% do custo do tratamento convencional), o pequeno custo de operação e o baixo consumo de energia. Materiais e Métodos Foram analisadas amostras das águas residuárias proveniente da armazenagem temporária, em água limpa, de frutos do cafeeiro (cereja e bóias), trocadas a cada vinte e quatro horas. Devido aos procedimentos adotados na coleta de amostras e na troca de água a cada vinte e quatro horas de imersão, os resultados foram expressos em relação ao estágio da imersão referentes às trocas de água. Após 24 horas de imersão, água da 1a. troca; após 48 horas, água da 2a. troca, e assim sucessivamente. DBO - Demanda Bioquímica de Oxigênio: Os procedimentos adotados são referentes à norma 5210 – Chemical Oxigen Demand (COD), especificada no Standard Methods ... 19a. Edição (APHA, 1995). DQO – Demanda Química de Oxigênio: Os procedimentos adotados são referentes à norma 5220 – Chemical Oxigen Demand (COD), especificada no Standard Methods ... 19a. Edição (APHA, 1995). ST - Sólidos totais: Os procedimentos adotados são referentes às normas 2540B – Total Solids Dried at 103-105 ºC e 2540E – Fixed and Volatile Solids Ignited at 550 ºC, especificadas no Standard Methods ... 19a. Edição (APHA, 1995). Fósforo, Nitrogênio, Potássio e Sódio: Foram analisadas as concentrações de nitrogênio total, potássio, fósforo total e sódio, de acordo com as normas especificadas no Standard Methods ... 19a. Edição (APHA, 1995). Resultados e Discussão Análises físicas e químicas da água de imersão A água residuária do processo de armazenamento dos frutos por imersão apresentou coloração avermelhada, que perdia a intensidade a cada troca diária. As diferenças de tonalidade podem ser observadas na Figura 1. Figura 1- Coloração das águas residuárias (troca diária) provenientes da imersão de café cereja em água limpa. DBO – Demanda Bioquímica de Oxigênio Os resultados observados na Tabela 1 mostram a variação da DBO em relação ao estágio da imersão dos frutos bem como a diferenças entre lotes. Em todos os lotes, a DBO apresentou valores decrescentes a cada estágio da imersão. Segundo MATOS et al. (2001c), a DBO da água de lavagem e despolpa dos frutos está na faixa de 3429 a 5524 mg.L-1. Os valores obtidos para a água de imersão são mais elevados, devido ao longo período de imersão e à relação entre os volumes de água e de frutos que é menor do que a utilizada nos lavadores e descascadores. Diferentemente dos lotes 1,2 e 3 que foram submetidos ao processo de imersão em água limpa, no mesmo dia de colheita, os lotes 4 e 5 permaneceram ensacados, após a colheita, por 12 e 24 horas, respectivamente, após a colheita e apresentando indícios de deterioração (temperatura elevada e odor característico da fermentação). A DBO da água de imersão dos frutos bóia (Tabela 1) apresentou valores, geralmente, inferiores aos obtidos na água de imersão de frutos cereja nos menores tempos de imersão (24 e 28 horas). Os maiores valores de DBO obtidos na água de imersão de “bóias” em maiores tempos de imersão podem estar associados à incidência de broca, já que o lote apresentava significante quantidade de frutos maduros e brocados que permaneceram na fração bóia, após a separação hidráulica. Tabela 1- Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), em mg.L-1, da água de imersão de frutos de café tipo cereja e Bóia Imersão CAFÉ CEREJA CAFÉ BÓIA (horas) A1 A2 A3 A4 A5 B1 B2 24 6679 6879 5910 10161 23291 5296 4907 48 2870 3490 1461 2494 2563 2350 1510 72 1222 498 732 866 803 1854 1006 96 122 213 1237 120 2,4 DQO – Demanda Química de Oxigênio Os resultados observados na Tabela 2 mostram a variação nos valores de DQO em relação ao estágio da imersão dos frutos, bem como a diferenças encontradas entre os lotes. A DQO apresentou valores decrescentes, a cada estágio da imersão, em praticamente todos os lotes, exceto em alguns estágios dos lotes A4 e A5. Os valores observados são, de modo geral, maiores que os valores da DQO da água residuária da lavagem e despolpa de frutos cereja apresentados por MATOS et al.(2001). Observa-se o mesmo comportamento da DBO, ou seja, as amostras de “bóias” apresentaram, nos menores tempos de imersão, menores valores de DQO do que as amostras de frutos tipo cereja. Tabela 2- Demanda Química de Oxigênio (DQO), em mg.L-1, da água de imersão de frutos de café tipo cereja e Bóia. Imersão CAFÉ CEREJA CAFÉ BÓIA (horas) A1 A2 A3 A4 A5 B1 B2 24 30822 26712 27460 27460 164384 20000 9333 48 13076 19054 6538 12328 25218 16000 6667 72 7098 4670 6538 14010 3736 8000 3333 96 1868 3175 2667 120 2802 A DQO da água de imersão dos frutos tipo “cereja”, coletada antes das 2a. e 3a. trocas, reduziu, em média, 45 e 70%, respectivamente, em relação à DQO da água de imersão coletada antes da 1a. troca. A DBO, por sua vez, reduziu em média, 60 e 80% em relação à DBO da água de imersão coletada antes da 1a. troca. Para os frutos do tipo “bóia”, a DQO da água de imersão coletada antes das 2a. e 3a. trocas, reduziu, em média, 32,5 e 69%, respectivamente, em relação à DQO da água de imersão coletada antes da 1a. troca. A DBO, por sua vez, reduziu em média, 48 e 70% em relação à DBO da água de imersão coletada antes da 1a. troca. Avaliando-se os dados obtidos para a DQO e a DBO no processo de imersão, observa-se que houve menor diminuição nos valores de DQO com as troca d’água do que ocorreu com os valores de DBO, o que indica que a fração orgânica disponibilizada na solução com imersão é constituída, na sua maior parte, por substâncias orgânicas de fácil decomposição. Sólidos Totais Os resultados obtidos para os sólidos totais (ST) podem ser observados nas tabelas 3 e 4. Os sólidos totais obtidos são, na quase totalidade, sólidos dissolvidos, por tratar-se de água residuária de imersão. Além disso, os frutos foram submetidos à lavagem prévia. A fração de sólidos em suspensão corresponde às impurezas das amostras não removidas na lavagem, e não às espécies diluídas durante o processo de imersão dos frutos do cafeeiro. Fósforo, nitrogênio, potássio e sódio Os resultados obtidos para as concentrações de fósforo, nitrogênio, potássio e sódio podem ser observados nas tabelas 5 a 7. Verificam-se diferenças nas concentrações das espécies químicas em relação à procedência dos frutos, indicando a alta variabilidade das características físicas e químicas da água residuária geradas no processamento de frutos provenientes de diferentes lavouras. Os frutos provenientes de Teixeiras, MG (Café ‘A’) proporcionam à água de imersão, maiores concentrações de P, K e Na, e menores de nitrogênio do que aqueles que foram obtidos na água de imersão de frutos provenientes de Paula Cândido, MG (Café ‘B’). Estas diferenças também podem estar associadas à incidência de broca, presente no café ‘A’ e praticamente ausente no café ‘B’. Tabela 3- Sólidos Totais (ST), em g.L-1, da água de imersão de frutos de café tipo cereja (Parcelas ‘A’, ‘B’, ‘C’ e ‘D’). Imersão CAFÉ CEREJA CAFÉ BÓIA (horas) A1 A2 A3 A4 A5 B1 B2 24 18,3 19,8 18,3 37,0 33,67 9,6 4,9 48 10,7 13,0 2,8 9,9 6,9 5,3 2,2 72 3,7 1,6 1,8 5,8 1,6 1,2 0,8 96 1,2 1,1 0,5 120 0,5 Tabela 4- Concentração de fósforo (P), em mg.L-1, da água de imersão de frutos de café tipo cereja (Parcelas ‘A’, ‘B’). Imersão CAFÉ CEREJA CAFÉ BÓIA (horas) A1 A2 A3 A4 A5 B1 B2 24 58,0 88,7 192,6 203,5 254,0 37,2 17,6 48 101,6 169,8 65,9 58,03 64,0 16,9 8,6 72 49,1 21,4 31,3 68,9 10,5 7,6 4,1 96 10,5 7,6 15,5 20,4 11,0 120 1,6 Total 220,8 287,5 305,3 350,8 328,5 72,7 30.3 Tabela 5- Concentração de nitrogênio (N), em mg.L-1, da água de imersão de frutos de café dos tipos cereja e bóia. Imersão CAFÉ CEREJA CAFÉ BÓIA (horas) A1 A2 A3 A4 A5 B1 B2 24 331,5 415,9 144,7 54,2 54,2 219,4 118,1 48 340,5 391,8 39,2 19,7 66,3 119,7 54,6 72 177,8 183,8 30,1 19,6 36,2 51,4 21,7 96 123,6 56,4 15,1 16,7 120 171,8 Tabela 6- Concentração de potássio (K), em mg.L-1, da água de imersão de frutos de café dos tipos cereja e bóia. Imersão CAFÉ CEREJA CAFÉ BÓIA (horas) A1 A2 A3 A4 A5 B1 B2 24 2572,5 1685,3 3536,9 4182,8 7584,5 302,3 210,3 48 2072,9 2331,2 1254,7 1685,3 1943,7 241,6 91,3 72 836,0 340,8 521,6 844,6 366,6 49,0 33,4 96 237,4 211,6 302,0 27,1 120 121,2 Tabela 7: Concentração de sódio (Na), em mg.L-1, da água de imersão de frutos de café dos tipos cereja e bóia. Imersão CAFÉ CEREJA CAFÉ BÓIA (horas) A1 A2 A3 A4 A5 B1 B2 24 880,2 585,0 1321,9 1414,0 2703,5 25,2 63,8 48 861,3 953,4 585,0 631,0 677,1 68,8 22,4 72 298,0 127,6 109,2 321,0 132,2 10,8 4,2 96 99,9 86,1 2,5 120 49,3 Conclusões As características da água de imersão foram analisadas sob a ótica de resíduo do processo de lavagem e despolpa, no intuito de avaliar suas potencialidades para uso na fertirrigação ou necessidade de tratamento para lançamento em corpo hídrico receptor, vista disso, as seguintes conclusões puderam ser obtidas: - A água residuária da imersão apresentou elevados teores de nutrientes como fósforo, nitrogênio e potássio, possuindo, portanto, alto potencial para o seu aproveitamento na fertirrigação; - O potencial poluente da água de imersão é maior do que o da água residuária de lavagem e de despolpa dos frutos do cafeeiro, devido ao longo período de imersão e à relação entre os volumes de água e de frutos que é menor do que a utilizada nos lavadores e descascadores; - As características físicas e químicas da água de imersão correlacionaram com o estágio de maturação e com as condições de conservação dos frutos; - A absorção de água, bem como as características da água de imersão, variam com o estágio de maturação dos frutos; e - As perdas de compostos solúveis, principalmente a pigmentação da casca para solução, variam com o tempo de imersão dos frutos na água de armazenamento. 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